quarta-feira, 16 de julho de 2014

O fim e o triste recomeço

E acabou. 

A tão esperada Copa das Copas chegou ao fim com a seleção mais merecedora do título como campeã. A Alemanha veio com jogadores completos que podem exercer várias funções dentro das quatro linhas e levou a taça pra casa. 

 
Assim como as gerações anteriores à minha falam com entusiasmo da seleção comandada por Sócrates, Cerezo, Falcão e Zico em 1982, sentirei-me igualmente grato em descrever a equipe de Lahm, Schweinsteiger, Kroos e Müller para quem não os viu em campo. 

Foi a prova de que trabalhar com seriedade, paciência, dedicação e humildade é o caminho para o sucesso. Sigo os campeonatos europeus apenas superficialmente, mas, a partir do próximo semestre, farei de tudo para acompanhar a liga alemã, o melhor futebol do mundo.

Os jogos, no geral, foram muito bons. Seleções consideradas "menores", como Chile, Colômbia, Costa Rica e Argélia protagonizaram grandes duelos e provaram que o futebol está mais globalizado do que nunca.

Daqui do meu quarto, vendo tudo pela televisão, parece-me que as coisas correram nos conformes, contrariando todas as expectativas. Embora vários estádios fiquem, a partir de agora, às moscas, foi legal vê-los lotados. Os gramados eram verdadeiros tapetes. As spidercams deram show. Nem parecia ser no Brasil.

A população brasileira fez muito bem seu papel de anfitriã, tornando possível um evento que prometia ser caótico. Como disse Antonio Prata, o povo brasileiro é muito melhor que sua seleção, um time de estrelas mimadas e pessimamente comandado por cartolagem e comissão técnica que superam todos os níveis da burrice. 

Felipão e Parreira conseguiram ofuscar os próprios títulos mundiais que conquistaram. Suas demissões foram necessárias, mas não suficientes. A CBF corre sério risco de ficar de fora da Copa de 2018. Os visitantes foram embora. Hoje recomeçam o Campeonato Brasileiro e suas quartas-feiras de jogos fracos e horários que atendem à televisão, fazendo idiotas como eu, doentes por futebol e cientes de seu fanatismo, irem pra cama tarde da noite.

Mal posso esperar.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O fim da presepada

Passadas algumas horas, muito já foi escrito sobre o massacre imposto pela Alemanha sobre a seleção da CBF. Particularmente, como brasileiro, fiquei muito contente com o resultado. Não poderia ter sido melhor. Uma verdadeira aula de futebol. Vibrei a cada gol como se fosse marcado pelo São Paulo Futebol Clube. Toni Kroos, Thomas Müller, Philipp Lahm e companhia apresentaram um espetáculo memorável, do qual me lembrarei pelo resto da vida.

 
Durante essa Copa, o único time pelo qual nunca cogitei torcer foi o comandado pelo ultrapassado e prepotente Luiz Felipe Scolari, técnico chucro e sem classe que, acompanhado do igualmente patético Carlos Alberto Parreira, não aceita críticas ao seu trabalho. E não fui o único. Vi crescer nas timelines e blogs o montante de torcedores que não se simpatizavam com o selecionado brasileiro. 

Muitos criticam e questionam essa atitude. A grande parte deles são torcedores de ocasião, patriotas com suas camisas da Nike de trezentos reais que cantam a irritante música do "muito orgulho e muito amor". Já estava na hora dessa presepada acabar.

"Mas você é brasileiro, tem que torcer pelo Brasil!". Eu torço pelo Brasil. Quero que a educação e a saúde pública melhorem. Orgulho-me de ter nascido no mesmo país de escritores como João Guimarães Rosa, Rubem Fonseca e Carlos Drummond de Andrade.

Mas jamais torcerei para Neymar, um jogador movido pelo marketing, com seu rosto estampado em todo e qualquer canto, que num jogo de extrema importância se preocupa em mostrar a cueca com a estampa de seu patrocinador, que faz de sua fratura na coluna uma oportunidade de se expor ainda mais na mídia, que finge choro ao cantar o hino de seu país. 

Não serei a favor de David Luiz e sua maldita cara de mal, jogador desconhecido por grande parte dos torcedores sazonais. Sua cabeleira pode dar ibope, mas não ganha jogo, meu amigo.

Não torcerei para um time arrogante que confia apenas no peso histórico de sua camisa, achando que por conta dessa suposta mítica pode ganhar qualquer jogo. Um bando cujo capitão, Thiago Silva, não tem o mínimo controle emocional nem perfil para ocupar essa função.

Uma seleção gerida por cartolas corruptos que só agem de acordo com seus interesses, montando calendários absurdos para atender a mídia televisiva. Espero que José Maria Marin esteja queimando no inferno que previu caso perdesse essa Copa de gastos exorbitantes e estádios que ficarão às moscas após seu término.

A seleção alemã mostrou como vencer com classe. Mesmo ganhando com placar elástico, em nenhum momento fizeram firulas individuais para humilhar seu adversário. Jogaram de maneira correta, trocando passes sempre em direção ao gol. Se fosse o contrário, certamente Neymarketing e sua trupe tentariam ridicularizar seus adversários com canetas e lençóis desnecessários.

Provou-se que o "jeitinho brasileiro" está mais do que ultrapassado. Espero que essa derrota mais do que justa sirva para que se reflita a respeito da bagunça na qual nosso futebol está metido. Talvez seja o caminho para que um dia eu volte a ter motivos para torcer pela camisa da CBF.

domingo, 29 de junho de 2014

Excessivo e barulhento, "O Lobo de Wall Street" é mais um belo trabalho da dupla Scorsese e Di Caprio

Demorou, mas finalmente cheguei ao filme O Lobo de Wall Street, dirigido por Martin Scorsese. E me arrependo por ter levado tanto tempo para vê-lo.

Muito já foi escrito a respeito, mas não custa nada lembrar. O filme é uma adaptação das memórias de Jordan Belfort, expostas nos livros O Lobo de Wall Street e A Caçada ao Lobo de Wall Street, nos quais ele relata as práticas corruptas que o levaram a ser detentor de uma gigantesca fortuna no fim dos anos 80, fato que lhe rendeu o apelido de Lobo. Logicamente que, ao subir na vida de maneira tão meteórica, Belfort chamou a atenção das autoridades, mais especificamente do FBI.


A tarefa de transformar essas quase mil páginas em roteiro de cinema foi dada a Terence Winter, criador da série Boardwalk Empire, da HBO. Ele e Scorsese já haviam sido parceiros no seriado e Winter fez, mais uma vez, um grande trabalho.

A atuação de Leonardo Di Caprio, que interpreta o milionário viciado em drogas e sexo, é monstruosa. O ator passeia na pele do Lobo e faz com que vislumbremos o que é ser um profissional completo, que pode estar em qualquer elenco. 

Falando em artista completo, Matthew McConaughey participa de pouco mais de dez minutos do filme, o que é uma pena, pois, mesmo em tempo tão curto, ele mostra o motivo pelo qual é um dos melhores atores da atualidade.

O blues, parte do gosto musical de Scorsese, dá o tom da trilha sonora, com nomes como Elmore James, Howlin' Wolf, John Lee Hooker e Bo Didley. O som empolgante das canções e o ritmo frenético no qual o filme é narrado faz com que não sintamos suas quase três horas de duração. 

Além do humor ácido e do absurdo que envolvem as cenas, pode-se notar a crítica a um sistema financeiro inescrupuloso. Di Caprio/Belfort cheira quilos de cocaína, bebe litros de uísque, joga dinheiro ao vento e transa com prostitutas de luxo com a voracidade que só o capitalismo selvagem pode instigar, enquanto pessoas comuns dependem do transporte público na volta para casa depois de um exaustivo dia de trabalho.

Excessivo e barulhento, O Lobo de Wall Street é mais um belo trabalho da dupla Scorsese e Di Caprio. Que venham outros.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Ave, palavra!

Por esses dias, estudando inglês, deparei-me com um desses textos aos quais normalmente não damos muito valor ao seu significado, já que o maior interesse ali é decifrar as palavras de um idioma que não nos é materno.

Suponho que eu tenha me atentado ao que aquela pequena crônica queria dizer por se tratar de um tema que me é caro. Se olharmos para a frase abaixo do título deste blog, veremos o breve período "anacronismos modernos escritos manualmente". Sim, prezo muito pelo ato de escrever, principalmente se ele for executado com caneta em punho e não com as modernas e suaves teclas de um computador. E era justamente sobre isso que aquele pequeno texto em língua inglesa falava.

Em tempos de redes sociais que exigem uma comunicação cada vez mais rápida e abreviada, as palavras têm perdido o seu valor. Elas, justo elas, que já foram tão valorizadas nas mãos de gente como Guimarães Rosa, agora são maltratadas por pessoas que não querem entender seu mecanismo correto, a chave correta para apertar o parafuso e montar uma estrutura de maneira firme e convincente.

Voltando ao texto. Seu autor unknown salientava que, em testes para se conseguir emprego, as pessoas viam-se num mato sem cachorro ao se depararem com uma caneta e uma folha em branco, já que há muito não exerciam aquela atividade que lhes parecia tão primária, função que foi deteriorada por um mundo veloz e exigente. Escrever é primário, mas, dentre os exercícios mais simples, mostra-se um dos mais complexos.

Em meu trabalho, vejo engenheiros que entendem muito do produto fabricado, mas pouco sabem sobre escrever um texto simples. Os e-mails são vergonhosos, com erros que passam despercebidos por esses profissionais que deveriam dar exemplo de bom domínio de seu idioma. Pergunto-me a todo o momento como essas pessoas chegaram aos cargos que ocupam se não conseguem nem elaborar um relatório de maneira clara. É absurdamente triste.

Em uma empresa com fins quase que totalmente capitalistas, fica claro que a ciência da escrita, a principal ferramenta comunicacional da humanidade, está em último plano. Os lucros continuam altos. O dinheiro em caixa é abundante. Mas de que adiantam tantas cifras se aqueles que dão lucro não conseguem traduzir seu dividendos em palavras?

Em um mundo de tantos lucros, esse texto desprovido de imagem que escrevo, agora percebo, soa, no mínimo, idiota.

Ave, palavra!

sábado, 8 de março de 2014

A sina de J. J. Gittes

Um detetive, especializado em investigar e flagrar adultérios, é contratado por certa senhora para investigar seu marido, que supostamente teria outra mulher. O problema é que o objeto da investigação, Holis Mullray, é posteriormente encontrado morto e a dama que contratou os serviços de J. J. Gittes não era a verdadeira mulher do falecido. Holis fazia parte de uma empresa que monopolizava a distribuição de água na cidade, numa época de muito calor e seca que levavam os rios a baixos níveis. Ao começar a investigar o caso, Gittes será levado a um destino que jamais imaginaria para si. 

Essa complexa trama é o que compõe o filme Chinatown, de 1974, dirigido por Roman Polanski. A década de 1930 é colocada como pano de fundo, tendo como cenário a cidade de Los Angeles, com uma misteriosa femme fatale interpretada por Faye Dunaway, completando assim os ingredientes necessários para caracterizar um filme no estilo noir. 

Ao contrário dos personagens freneticamente loucos pelos quais Jack Nicholson tornou-se conhecido, aqui o vemos como o detetive de fala macia Gittes, mostrando o motivo pelo qual é considerado um monstro do cinema mundial. 

Assim como nos romances policiais de Raymond Chandler, nos quais o investigador é o detetive do acaso Philip Marlowe, a trama é complexa e nos leva um mundo dominado por gângsteres que se utilizam de poderosos tentáculos políticos além de violento braço armado formado por impiedosos capangas. 

O detetive Gittes parece lutar contra as lembranças de um passado inquietador que remete à sua época na polícia da chinatown de Los Angeles. No desfecho da narrativa, Polanski mostrará que nem sempre podemos fugir de nossas sinas.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Jack London e as lendas do submundo

Texto publicado no Homo Literatus em 7 de fevereiro de 2014.


Conhecido por ter escrito O Lobo do Mar, Jack London incorpora seus conceitos filosóficos e evolucionistas nos cinco contos sobre boxe que integram o volume  Nocaute, editado pela Benvirá. Em cada história, os lutadores são apresentados como brutamontes destruidores e complexos que não conseguem se adaptar ao mundo em que vivem.

Longe de serem malévolos, personagens como Tom King, protagonista do conto “O bife“, não levam suas lutas para o lado pessoal. Soado o último gongo, nenhuma mágoa por narizes ou queixos partidos ultrapassa as cordas do ringue.

O ringue é o habitat natural de homens como Joe. Quando abre a boca com a intenção de transformar pensamentos em frases, ele mostra porque é o exímio pugilista reconhecido por todos. Homem delicado e com feições de menino que, frente a seu adversário, libera a fera escondida em seu íntimo.

Ferocidade é a principal característica que a imprensa dá a esses homens introspectivos. Pat Glendon, de “A Fera do Abismo“,  é um homem grande, forte e de coração puro, criado por seu pai nas montanhas, isolado da corrupção que assola o mundo. Seu genitor o moldou para lutar com velocidade, inteligência e frieza. Os adversários que Pat encontra no ringue não são páreos para seus punhos. Seu pior inimigo, na verdade, eram os agentes e empresários que manipulavam os resultados dos duelos.

O sistema corrupto de uma sociedade também corrupta é o pior inimigo de Carter Watson, sociólogo em busca de “experiências sociais”. Praticante de boxe nas horas vagas, ele não desfere seus socos contra os sujeitos simplórios que o agrediram como vingança, mas com o objetivo de atingir aqueles que o julgam por leis confusas e absurdas.

“Não era o primeiro filho da humanidade a fazer sucesso num ofício que detestava.” Essa é a essência de Rivera, mexicano de poucas e cortantes palavras, possuidor de olhos de tigre que transbordam selvageria. Rivera detesta o boxe. Luta por uma causa ideológica e para matar sua fome.

Para quem é fã de filmes como Rocky, Menina de Ouro e Touro Indomável, Nocaute é leitura obrigatória. Jack London mostra ser dono de uma narrativa hábil para descrever os mínimos detalhes que ocorrem numa luta. Minúcias essas que só podem ser percebidas pelos lutadores, que a cada soco desferido e golpe recebido tentam manter-se dignamente em pé e sair como vencedores de lutas que podem defini-los como lendas do submundo.

Nocaute
Jack London
Benvirá

domingo, 26 de janeiro de 2014

Páginas, cenas e músicas


Durante essa semana, pulularam listas solicitadas por amigos no Facebook, nas quais figuravam os dez livros que mais marcaram seu leitor. A orientação era que eles fossem listados rapidamente, sem a necessidade da ordem ter relação com preferência.

 
Resolvi fazer aqui o contrário e enumerar de maneira consciente dez títulos relacionados com literatura, histórias em quadrinhos, cinema e música. Por ter feito a lista de supetão, acabei deixando de fora alguns nomes em minha timeline do Facebook. 

 
Isso ocorreu porque literatura e quadrinhos se misturaram, já que a nona arte adquiriu o status de book e deixou de ser apenas gibi. Pensei que seria um exercício legal listar também filmes e álbuns de bandas que sempre acabo revisitando. 

 
Páginas que são lidas várias vezes. Filmes vistos em inúmeras ocasiões. Músicas ouvidas no volume máximo com o modo repeat acionado. Todos eles estão nas quatro listas abaixo. 

Seguem.

Literatura:
1. Contos Reunidos - Rubem Fonseca
2. Grande Sertão: Veredas - João Guimarães Rosa
3. A Menina Que Roubava Livros - Markus Zusak
4. Misto-Quente - Charles Bukowski
5. Açúcar Amargo - Luiz Puntel
6. Agosto - Rubem Fonseca
7. Histórias Extraordinárias - Edgar Allan Poe
8. Vidas Secas - Graciliano Ramos
9. Dois Irmãos - Milton Hatoum
10. A Grande Arte - Rubem Fonseca

Histórias em quadrinhos:
1. Watchmen - Alan Moore e Dave Gibbons
2. V de Vingança - Alan Moore e David Lloyd
3. Absolut Sandman - Neil Gaiman
4. Batman: O Cavaleiro das Trevas - Frank Miller
5. Daytripper - Fábio Moon e Gabriel Bá
6. A Piada Mortal - Alan Moore e Brian Bolland
7. Maus - Art Spiegelman
8. Sin City - Frank Miller
9. Diomedes - Lourenço Mutarelli
10. Elektra Assassina - Frank Miller

Filmes:
1. Pulp Fiction - Quentin Tarantino
2. Cães de Aluguel - Quentin Tarantino
3. Onde Os Fracos Não Têm Vez - Ethan e Joel Coen
4. Os Imperdoáveis - Clint Eastwood
5. Clube da luta - David Fincher
6. Batman: O Cavaleiro das Trevas - Chistopher Nolan
7. Nascido Para Matar - Stanley Kubrick
8. Forrest Gump - Robert Zemeckis
9. Coração Valente - Mel Gibson
10. O Resgate Do Soldado Ryan - Steven Spielberg 

Álbuns:
1. ...And Justice For All - Metallica
2. Master Of Reality - Black Sabbath
3. II - Led Zeppelin
4. Toxicity - System Of A Down
5. Paranoid - Black Sabbath
6. Presence - Led Zeppelin
7. IV - Led Zeppelin
8. Smash - The OffSpring  
9. Black Sabbath - Black Sabbath
10. Kill'em All - Metallica 

sábado, 25 de janeiro de 2014

Cenhos franzidos, olhares perdidos e punhos cerrados – Barba ensopada de sangue

 
Texto publicado no Homo Literatus em 21 de janeiro de 2014.

Daniel Galera é um autor de livros com nomes brutos, violentos e robustos, como se pode conferir em Dentes Guardados e Mãos de Cavalo. Sua obra mais recente, Barba Ensopada de Sangue, não foge a essa regra.

Um professor de educação física de Porto Alegre, especializado em natação e triatlo, muda-se juntamente com a cachorra Beta para a paradisíaca Garopaba, localizada no litoral de Santa Catarina, após o anunciado e consumado suicídio de seu pai. A mudança se dá por conta do obscuro passado do avô paterno, que teve uma nebulosa morte no pequeno e misterioso povoado catarinense.

Ao chafurdar nesse tempo distante e identificar-se como neto de Gaudério, o protagonista perceberá que está num silencioso e mortífero ninho de cobras venenosas. Ninguém sabe de nada ou ouviu falar do homem ao qual o recém-chegado se refere. Mas a menção desse nome causa desconforto secretamente visível, que pode ser notado em cenhos franzidos, olhares perdidos e punhos cerrados.

 
Em Garopaba, a lei não é determinada por órgãos burocráticos superiores, mas pela população constituída em sua maioria por pescadores supersticiosos, cultivadores de lendas e mitos surgidos naquelas areias, dispostos a defender seu território da maneira que julgarem necessária.

Ao bancar o detetive para descobrir a verdade sobre seu avô, esse inculto educador físico descobre muito a respeito de si mesmo, cuidando e desenvolvendo inexplicável afeto pela velha cachorra deixada aos seus cuidados por seu pai, cultivando novas amizades e amores carnais passageiros de mulheres diferentes. A semelhança física com seu avô aumenta conforme deixa sua barba crescer, tornando essa característica facial um símbolo do selvagem legado deixado por Gaudério.

Assim como o protagonista de filmes de faroeste, o personagem principal de Galera é o incômodo forasteiro que desagrada os nativos de Garopaba. A narrativa ou o modo como a história é contada prende o leitor em uma leitura agradável e envolvente, com descrições minuciosas sem serem exageradas, utilizando como matéria-prima cenários com marcas populares de cerveja e personagens particularmente comuns. Bonobo, Altair, Dália, Jasmim e Viviane, são pessoas que encontramos todos os dias na rua,no trabalho, na faculdade. Tudo isso aproxima essa história fictícia da realidade do leitor, tornando a saga de avô e neto barbudos ainda mais cativante.

Com história forte de ritmo tranquilizador, Barba Ensopada de Sangue é daqueles livros pelos quais lamentamos quando a última página é virada.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Mergulho nos mares da ficção

Texto publicado no Homo Literatus em 7 de janeiro de 2014.

Ao ler o artigo intitulado Brazil’s most pathetic profession, escrito pela Vanessa Barbara no New York Times em 16 de dezembro último, fiquei a refletir sobre a situação na qual se encontram certas profissões em nosso país.

Em seu texto, Vanessa dá ênfase à vida de escritor no Brasil. Em meio a seus relatos pessoais, de como faz malabarismos para conseguir complementar sua renda de escritora em um país que lê pouco, ela cita a mais importante de todas as profissões, que também não é valorizada por essas terras: a do professor.

Sou um desses malucos que sonham com a profissão desprofissionalizada de escritor. Como se não bastasse, estou me graduando para, possivelmente, em algum futuro distante, dar aulas.

Não, não ganho nada para escrever nos três sítios da internet dos quais faço parte. Escrevo artigos para Homo Literatus, Obvious e Donnerwetter! pura e simplesmente por gostar de transformar ideias em palavras, e também por ser fanático por literatura, cinema e histórias em quadrinhos. O que faço para sobreviver é algo totalmente diferente.

Há sete anos trabalho como mecânico em uma empresa brasileira do ramo aeronáutico. Antes disso, trabalhei quase trinta e seis meses como torneiro em uma pequena fábrica de implementos agrícolas.
Por que escolhi essa profissão? Quando me formei no ensino médio, queria ser jornalista, mas o desejo de ganhar meu próprio dinheiro foi maior, daí resolvi fazer o curso profissionalizante de Mecânico de Usinagem e o técnico em Mecatrônica. E é graças a esses diplomas que consigo ganhar um salário anual maior que o de escritores e professores.

Se gosto do que faço? Acredito que em toda e qualquer profissão haja aprendizados que podemos carregar por toda a nossa vida, então, mesmo não sendo uma área que eu desejasse desde pequeno, considero interessante trabalhar com a tecnologia aeronáutica.

Se abandonarei a profissão de mecânico quando me formar em Letras? Não. Acho muito difícil abandonar um emprego com salário razoável e benefícios por uma profissão pouco valorizada. Sim, seria uma jornada sofrida, como já é atualmente. Mas ser jornalista, escritor ou professor no interior de São Paulo não garantiria que eu conseguisse bancar todos os gastos que uma faculdade, mesmo sendo pública, exige. Nesses últimos dez anos, descobri que, se quiser trabalhar com o que gosto, também terei que me desdobrar em algo diferente, com jornadas duplas e identidades secretas.

No dia 2 de janeiro o jornal O Estado de São Paulo publicou matéria apontando “que a narrativa em tiras é a preferida de 45% dos estudantes do ensino fundamental e médio.”. Só consegui enxergar essa frase pelo viés pessimista relacionado à brevidade, e não à contundência desse tipo de mídia.
 
Os alunos continuam lendo pouco, os professores e os escritores continuarão a ganhar salários pífios e o Brasil continuará a ser o país que reluta em acreditar que os leitores emergem melhores como seres humanos após um mergulho nos mares da ficção.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Velho ventilador da infância

 
É mais do mesmo afirmar isso, mas ainda me impressiono com a descartabilidade e pouca vida útil com que as coisas são feitas nos dias de hoje. Televisores, computadores, smartphones. Tudo feito com plástico frágil, quebradiço, substituível.

No filme O Palhaço, dirigido e estrelado por Selton Mello, o protagonista da história sai em busca de seu sonho de consumo: um ventilador. Esse filme é pura nostalgia. A trilha sonora apresenta canções imortalizadas de Nelson Ned, Altemar Dutra e Lindomar Castilho. 

Quando consegue adquirir seu tão sonhado ventilador, o palhaço Benjamin obtém um modelo idêntico ao que havia na casa dos meus pais quando eu era criança. Plástico resistente e grades de metal compunham sua estrutura. Botão regulador de potência. Hélice verde. Corpo em tom pastel desbotado. Esse eletrodoméstico só parou de funcionar porque acabou caindo no chão de uma altura relativamente grande. Era um item feito para durar, ao contrário dos concebidos pelas frenéticas e robóticas linhas de produção atuais.

Em meio a esse emaranhado de tecnologias fadadas à troca, encontrei na casa de um amigo, localizada na tecnológica cidade de São Carlos, uma sala que serve como refúgio a todas as coisas velozes e furiosamente passageiras.


Uma sala de música arejada, com cortinas reguladoras de penumbra, sofás confortáveis, tapete centralizadoramente macio, estante de madeira maciça sobre a qual estão acomodados um robusto televisor Panasonic, um aparelho de som Gradiente DS-40, livros antigos (como o Urupês pré-modernista de Monteiro Lobato, que antecede a todas as modernidades tecnológicas e literárias), manuais de redação, enciclopédias, CD's que vão do soul ao rock n' roll e, ao lado dessa rica prateleira, uma respeitável coleção de vinis.

Ao passar breves e saborosos dez minutos ali, sentado, com os pés descalços enfiados no tapete felpudo, no ensurdecedor silêncio de uma tarde dominical rompido apenas por uma fresca e sussurrante brisa, senti-me como um rebelde que insiste em não concordar com um mundo tão absurdo, no qual as pessoas imploram para serem vigiadas pelo viciante Big Brother travestido de redes sociais, indivíduos que querem a todo momento trocar seus celulares recém-adquiridos por outro mais moderno com funções futilmente novas. A ostentação mudou de posse. Não é mais financeira, com joias e imóveis, mas sim tecnológica.

Por um feliz e fugaz momento, cheguei a pensar que aquela corrente de ar refrescante estivesse sendo enviada pelo velho ventilador da minha infância.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Um mundo fora deste mundo

 
Essa profissão meio amalucada de escritor realmente não é fácil. Além de muitos deles ganharem mal, tem essa coisa de criar uma história, com personagens humanamente complexos, cenários convincentes, contexto histórico. Há ainda as famosas crises de criatividade, na qual esse infeliz se depara com uma folha de papel em branco e não consegue preenche-la.

Digo isso porque coloquei na cabeça que quero escrever uma coletânea de contos. Sim, vergonhosamente venho aqui dizer essa barbaridade. Não que eu almeje o estrelato ou algo do tipo, nada disso. Nem porque dizem que temos de escrever um livro, plantar uma árvore e outras balelas. Apenas gostaria de ter essa experiência, criar um mundo fora deste mundo, mas que ainda assim fosse uma imitação desse universo que chamamos de verdadeiro.

Tudo isso começou por culpa do Marçal Aquino. Gosto da literatura do cara desde os tempos de Coleção Vaga-Lume. Daí que, por esses dias, acabei comprando o volume de contos Famílias Terrivelmente Felizes, editado pela Cosac Naify. Confesso que ainda não terminei de ler o livro. Mas nem precisa disso, porque o primeiro conto, intitulado "Impotências", é daquelas histórias que fazem o leitor ruminar aquilo por muito tempo.

 
O narrador fala de certo tio que não teve as oportunidades que outros indivíduos tiveram na vida, passando boa parte dela dentro de um hospício, definhando até a morte. Tudo é dito de maneira breve e simples, como se aquele que relata a trajetória de seu parente fosse um homem cansado, que encosta no balcão de um boteco, pede uma cachaça e começa a divagar sobre as dificuldades do cotidiano sem que ninguém, além do dono do bar, lhe dê atenção.

As frases do conto são precisas, contundentes, poéticas. Talvez seja esse o principal fator que tenha me motivado tentar lapidar algo difícil de se fazer, pedindo conselhos a amigos que ainda não são conhecidos pela mídia, mas que, para mim, são grandes escritores. 

E é isso, por enquanto.