domingo, 27 de maio de 2012

Vida enlouquece loucura

Acordamos.

Seguimos metodicamente um inflexível roteiro diário de trabalho de estudos de relações de julgamentos de xingamentos de excrementos de aborrecimentos de maldições exigido por uma sociedade socialmente social socializante socializadora.

Comemos.

Acumulamos comida em nossos estômagos em grande quantidade para ser digerida percorrendo nosso ventre nossas mentes até se materializar em merda assim como acumulamos dinheiro que é merda que vira merda merda e merdas.

Dormimos.

Encostamos nossos crânios em travesseiros de pena de ganso de pena de galinha de pena de nós mesmos achando que vivemos e não corremos que vivemos e não sofremos que vivemos e não enlouquecemos que vivemos essa vida e que isso não é loucura.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Calos de escrita

No conto intitulado "Olhar", Rubem Fonseca nos apresenta seu protagonista altamente erudito, escritor por profissão. A personagem relata que, para exercer sua função, todo um ritual é necessário, indo de um certo tipo especial de papel importado da Espanha até sua caneta tinteiro. Mas o mais interessante é sua opinião com relação aos escritores contemporâneos: considera-os idiotas por acharem que realmente escrevem, ao utilizaram microcomputadores.

De fato, esse aparelho ágil, munido de teclado confortavelmente ergonômico, ajuda muito no que diz respeito à construção e eliminação de frases, obedecendo ao fluxo dinâmico de pensamento. Todos os textos que aqui escrevi foram concebido originalmente no editor disponibilizado pelo blog.

Coincidentemente, no momento em que escrevo à mão essas palavras, encontro-me em uma aula de Aquisição da Escrita. Discute-se a perda do hábito da escrita manual, devido às facilidades da digitação. O principal "porém", nesse caso, é que quando escrevemos com o auxílio de grafite ou tinta, memorizamos tudo o que rabiscamos. Particularmente, meus estudos são muito mais produtivos quando não apenas leio, mas também reescrevo as ideias abordadas.

Na FLIP do ano passado, assisti à mesa com a máquina de escrever romances policiais, James Ellroy. Nessa ocasião, o escritor estadunidense revelou que possui mais de cinco mil páginas em rascunhos, que remetem às suas tramas fictícias, escritos à mão, além de se dizer não possuidor de computador. Todas as suas narrativas são transcritas por sua secretária. Assim como a personagem de Fonseca citada acima, diz não conseguir imaginar outra maneira de produzir que não seja do jeito tradicional (ou quem sabe, nos dias de hoje, acaico?).

Confesso que, agora chegado o último parágrafo desse texto, raciocinei e elaborei mais produtivamente o que foi aqui escrito. A escrita manual, por mais incrível que possa parecer, é algo, para mim, prazeroso. Um folha de papel carregando um emaranhado de letras feitas caligraficamente é tal como uma pintura. Olhando para o meu calo de escrita, protuberância presente no dedo médio de minha destra, pego-me a pensar se no futuro haverá pessoas que possuam tal lesão. Pois, no cenário atual, esferográficas e lápis, os seus principais causadores, caminham para a aposentadoria. 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Clássicos são clássicos

Nunca pensei que fosse fazer isso novamente, mas estou a reler as aventuras de Ulisses, o primeiro super-herói da literatura universal, em Odisseia. Trata-se de sua mais recente tradução, feita pelo helenista português Frederico Lourenço, editada pelo selo Penguin-Companhia das Letras.

Mas o motivo que me faz escrever sobre tal experiência não é a facilidade com que estou lendo os versos dessa edição nem os mistérios que envolvem a existência de Homero, mas sim como as coisas consideradas clássicas ainda são as que mais me agradam. Mesmo que tudo o que é novo ou original tenha uma preferência quase que unânime entre os que são considerados da "nova geração", os clássicos ainda são a melhor pedida. Não só na literatura.

Para quem é frequentador assíduo de bares em geral, por mais que os copos tipo "München" (aqueles, das tulipas de chopp) pareçam bonitos, atraentes e maiores, os copos do tipo "Americano" ainda são os melhores. O visual combina com qualquer balcão de padaria, além de ser prático pelo seu tamanho, que não deixa esquentar o líquido sagrado que costuma acomodar. Alguns botecos possuem ambientação sofisticação e iluminação que dão ares de décadas passadas ao estabelecimento, e o simples copo americano é um item imprescindível para tais lugares.

Quem trabalha ou estuda e precisa sempre ter uma caneta à mão, sabe que não há nada melhor do que ter a boa e velha Bic ao seu alcance, aquela que após anos e anos de uso deixa um irreversível calo no dedo médio. Canetas caras, que possuem emborrachamento em seu corpo para evitar tais fadigas, não possuem uma carga tão longeva quanto aquela simples caneta transparente e cristalina, que adere como nenhuma outra ao bolso de qualquer camisa. Mont Blanc? Que nada. Não troco minha clássica Bic azul por nada.

Voltando a falar de literatura, por mais que as aventuras de Harry Potter e Frodo Bolseiro pareçam as mais emocionantes, muito também pela facilidade que a narrativa desses títulos apresenta, é bom conhecer ao clássico que inspirou, mesmo de forma possivelmente inconsciente, esses heróis contemporâneos. Por mais que Ulisses possua um carisma que pertença a um período que antecede o nascimento de Cristo, a leitura de suas proezas pode ser algo tão prazeroso quanto as confusões do bruxinho jogador de quadribol. 

Coca-Cola em garrafa de vidro, fóforos Fiat Lux, All Star de cano alto, cerveja Antarctica Original, Turma da Mônica, Tio Patinhas. Enfim. Clássicos são clássicos. E vice-versa. 

domingo, 6 de maio de 2012

A fórmula da escrita

Para quem gosta de literatura e já tentou se arriscar no território sombrio e traiçoeiro da escrita, há aquela curiosidade em saber como escrever um conto, romance ou poema de qualidades inquestionáveis. Existe uma fórmula para isso? Deve-se estudar algum tipo de teoria para que se desenvolva a capacidade para tal? Conversas com escritores que já exercem esse ofício há um certo tempo abrem caminhos desconhecidos em nossas mentes bloqueadas?

Como graduando do terceiro ano de Letras e leitor desde muito pequeno, que sonha em tirar seu sustento da escrita, sei que é muito difícil encontrar alguma voz que seja a força motriz dos textos que escrevo, ainda mais se esses escritos tenham intenções fictícias ou literárias. Leio regularmente blogs de alguns escritores e após ler o texto "Literatura se faz na universidade?", da autoria de Carol Bensimon (formada em Publicidade e Propaganda), essa questão da fórmula de escrever voltou a habitar minha mente. 

Não quero falar aqui em dom, dádiva que representa um autodidatismo obscuro e difícil de ser decifrado. Semana passada, em uma aula de Psicologia da Educação, muito foi discutido a cerca de capacidade, função que é desenvolvida conforme a repetição de certos hábitos. A assiduidade desses tornaria algumas ações mecânicas, automáticas. Confesso que, mesmo escrevendo regularmente há vários anos, ainda não consegui atingir esse nível de maturidade. Um simples texto como esse ainda é uma operação bastante laboriosa, truncada, como bater com uma talhadeira em pedra de mármore.

Na universidade, conhecemos as teorias dos mais diferentes estudiosos de narrativa e poesia. Estudamos e nos utilizamos de metodologias criadas por teóricos como Gérard Genette, Tzvedan Todorov e Vladimir Propp, que nomearam com termos técnicos (como analepse e prolepse, para retrocessos e avanços temporais, respectivamente) e estruturaram a composição de narrativas em etapas fixas, para analisarmos e dissertarmos  sobre obras literárias. Um escritor dificilmente, como a própria Bensimon relata em seu texto, prenderia-se a essas teorias para ar qualidade à sua obra.

Na cidade onde moro há um curso para formação de criadores literários. Tenho um amigo que frequenta essas aulas e diz serem muito boas. Antes de haver esse curso, já havia lido alguns contos desse amigo, que eram muito bons. Isso me faz pensar que ele já tinha uma pré-disposição para a escrita. As aulas só estão servindo para aparar algumas arestas. Ouço dizer que alguns alunos apresentaram melhoras expressivas durante esse período de aprendizagem, em comparação ao modo como escreviam antes de matricularem-se nessas aulas.

Hoje não há um curso que forme, de fato, escritores. Todos conseguirão o diploma do curso acima citado, mas quem garante que seguirão essa profissão à qual se propuseram? Será que deveria haver, nas próprias universidades, uma grade de ensino que fosse totalmente voltada para o desenvolvimento da capacidade narrativa ou poética de cada indivíduo? 

Penso que haja os dois lados. O bom seria a capacitação, mesmo que de forma amadora, de pessoas que gostam e querem aumentar suas aptidões para escrever histórias fictícias. O ruim talvez fosse a mecanização de um processo que, embora deva contar com uma grande parcela de consciência do que se está fazendo, é feito com base em algo que está inserido na sensibilidade dos maiores escritores da literatura universal, um segredo que só as maiores mentes literárias possuem. Se essa fórmula pudesse ser ensinada ou vendida, aí a literatura certamente não seria uma das formas de arte mais complexas e fascinantes do mundo.

Mesmo que eu não descubra esse misterioso caminho poético, prefiro que ele seja mantido como está, bem escondido aos olhos dos que apenas leem e se encantam. Pelo bem da literatura.